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Foto do escritorEquipe La Madeleine

"Pão francês", ou baguette?

Atualizado: 19 de mai. de 2020


Os imigrantes europeus trouxeram a farinha de trigo, antes desconhecida por aqui, e o hábito de fazer pão, mas foi a industrialização que popularizou o pão por aqui.


No Brasil colonial, não era comum o consumo de pão. Ao menos não como o conhecemos hoje. É só no século 19 que ele começa a se popularizar, especialmente na virada para o século 20. Até então, consumia-se derivados da mandioca, como o beiju de tapioca, farofa e pirão. E mesmo quando se começa a fazer pão por aqui, era mais comum o de milho.


Foi portanto a afluência de imigrantes europeus que fez a coisa mudar de figura. Embora já houvesse uma tradição de panificação nas famílias portuguesas, ela era restrita a rituais: fazia-se cruz na massa e rezava-se salmo para vê-la crescer. Com os italianos, no entanto, a cultura de comer pão se difundiu popularmente. Em São Paulo, eles fundaram as padarias Santa Tereza (1872), Ayrosa (1888) e a Popular (1890, da família Di Cunto), que faziam pães de fermentação longa e natural – até hoje uma tradição na cidade.


Como em outros países, a difusão do hábito de comer pão está associada à urbanização e industrialização, quando a farinha de trigo ganhou o mundo.


Não à toa foi em 1905 que aportou no Brasil a Bunge, gigante do agronegócio que instalou o Moinho Santista e comprou em 1914 o Moinho Fluminense (o primeiro do País, inaugurado no Rio de Janeiro em 1887). As cidades, em especial São Paulo, cresciam em ritmo acelerado e era preciso alimentá-las. Nesse embalo, uma cadeia industrial se forma: o algodão do Nordeste é matéria-prima da crescente indústria têxtil, que faz as sacas para o trigo moído; os resíduos do algodão, por sua vez, viram óleo: no fim dos anos 1920, a Bunge já vende gordura vegetal, margarina.


O hábito de se comer "pão francês" nasce nesse momento, as primeiras décadas do século 20. “A moda do pão francês vem da Europa. A Bunge vem de lá e incentiva, com propaganda, sobre as vantagens desse pão, espalhando cartazes do pão e da qualidade da farinha”, diz Viviane Morais, gestora de ações internas e pesquisas históricas do Centro de Memória Bunge em São Paulo.


A origem exata da receita do "pão francês" é desconhecida. Mas atribui-se à elite que viajava a Europa o advento do pãozinho, pois era moda, no começo do século 20 em Paris, um pão pequeno e de casca dourada, um precursor da tradicional baguette. Essa elite teria trazido o tal pão e mandado os padeiros locais copiarem.


Por aqui, água, farinha e sal ganharam a adição de açúcar e gordura, e o fermento natural foi substituído por fermento biológico, para agilizar a produção do “pão francês brasileiro”, que acabou sendo dominada por famílias portuguesas. Elas passaram a introduzir a ideia das várias fornadas de pão quente ao longo do dia. E indústrias, como a Bunge – que ainda hoje, por meio dos insumos, está em 70% das padarias brasileiras –, adoraram (e propagaram) a ideia, fomentando a cadeia produtiva. Segundo Viviane Morais, há relatos já nos anos 1920 de cursos de panificação nas indústrias da Bunge. O Moinho Santista, desde o início, já mantinha uma padaria experimental para testes de seus produtos.

Sob o nome de cacetinho, baguetinha, bisnaga ou pão de sal, nosso "pão francês"-brasileiro se espalhou pelo País.


A BAGUETTE NA FRANÇA


Não se come "pão francês" na França. Come-se baguette. Que nada tem a ver com a porção de casca craquelada do que aqui se chama "pão francês".


Pão, lá, é coisa séria. E como os franceses são chegados em normas e burocracias, até fizeram lei regulando sua produção: em 1993, foi editado o "decret pain", que permitia apenas farinha de trigo, água, sal e fermento na fabricação de seus pães visando proteger principalmente a tradicional baguette francesa (e autorizava, para desespero de puristas, alguns outros aditivos em baixas proporções). A baguette é o verdadeiro pão francês de consumo diário e rápido, especialmente nas cidades. A lei exigia também que, para uma padaria merecer esse nome, seus pães tinham que ser feitos no próprio estabelecimento.

adaptado do texto de Jose Orenstein, no  Paladar (27 julho 2016)

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